domingo, agosto 06, 2006


É preciso criar coisas novas, é preciso sair daqui, guardar as coisas que me fazem falta, é preciso ser atenta e calma e boa e bem-educada e todas as coisas que as boas meninas são, é preciso respirar fundo e ter juizo e ser sensata. Há fios por todo lado, há fios e escadas e convites porque tem de ser e sorrisos de visitas e olá como tem passado porque tem de ser. É sempre precisa tanta coisa. Toma cuidado, olha onde pisas, veste o casaco, deita-te cedo e cruza as mãos no peito muito direita e reza e reza até vir o sono e a manhã e tu imperturbada. Ah por uma vez quebrar qualquer coisa, por uma vez desabotoar a alma, deixá-la solta e caída mesmo que não se adeque, mesmo que não fique bem à minha idade e pareça uma menina velha com a senilidade a trepar-lhe para o colo, por uma vez incomodar os vizinhos e gritar, gritar, gritar, gritar até qualquer coisa se quebrar lá dentro e não se poder voltar atrás, cortar as flores pelo principio do caule e espalhá-las pelo corpo, deixar a vida desapertada como os botões e andar descalça no inverno. Deitar tarde. Ah por uma vez dizer que não quero e que não sou e que não estou e puxar o cobertor pelas orelhas com a chuva lá fora, comer chocolates, ah, por uma vez rasgar a folha sem pedir licença e deitar para o chão e não olhas para os outros. Mas não, tenho de ser atenta e calma e boa e profissional e imaginar, onde quer estar daqui a quinze anos e eu ter uma resposta e deixar a infância para trás na terra das maravilhas que aqui há contas e fios e dias a contar para a reforma, aqui há outros e outras e à minha volta o som dos outros. Morro de todas as coisas que me pedem.

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