segunda-feira, abril 30, 2007



Sinto a tua ausência como a náusea de um navio em alto mar: a mesma solidão imensa, a mesma impotência física contra o corpo que se revolta e chama e anseia pela terra firme debaixo dos pés e a casa onde se chegará mas que não se vê. Sinto a maré, a mesma maré implacável que não se consegue parar, nem evitar, nem fugir.
Sinto a tua ausência como uma náufraga, nada chega nem parte, só a imobilidade do silêncio e o amor, o amor que, improvável, resiste a tudo e me rodeia, como o grito das gaivotas e o sal.

sexta-feira, abril 20, 2007

Time Capsule



Enterro o meu coração numa caixa estangue. Aos que o encontrarem no futuro a mensagem: usado, quase novo.

segunda-feira, abril 16, 2007

Nós



William Holman Hunt , The lady of Shalott

"There she weaves by night and day
A magic web with colours gay.
She has heard a whisper say,
A curse is on her if she stay
To look down to Camelot. "
Alfred, Lord Tennyson

Teço e espero, teço e espero-te isolada na minha ilha. Se olhar, perderei tudo. Se te olhar, terás apenas um breve olhar de pena pelo meu gesto. E no entanto, és o fio de cor vermelha, dolorosa, que me alegra a teia dos dias. E no entanto, por ti rasgaria os fios que me prendem à realidade e partiria, para sempre.

domingo, abril 01, 2007

Febre



Amo-te assim como quem torce por uma equipa de futebol, sabes como é, não é definitivo, não vai morrer ninguém se perder o campeonato, vai só doer um bocado durante um tempo e depois acabou-se tudo, a vida continua e também a minha vida, também eu, até tudo passar e ficar só aquela marca mental da derrota. Não é como se a vida acabe, como se eu me encoste a um canto muito escuro e muito doloroso para chorar, a vida continua, alguém compreenderia esta minha derrota assim, como morte de homem, como uma coisa definitiva? Ah não, a vida continua, e haverá mais dias e mais sóis e estações e despedidas e eu continuarei assim, a viver, apesar da marca da derrota, apesar de ter perdido tudo,de te ter perdido e amar-te-ei como quem ama uma equipa de futebol, as cores correm fundo, como uma tribo, mas tenho de continuar viva, continuar funcional.
Como é possível a vida continuar, perguntam-se uns, como é possivel sem a nossa tribo, a nossa identidade? Tu, que és a minha tribo, um bocado de mim, tu que és as cores do meu coração mostras bem como é possível. Vivemos depois de ter perdido o campeonato e as cores com que nos vestimos estarem no chão esquecidas e pisadas, muito depois do grito de força e de vitória se desvanecer no ar deixando atrás de si apenas um ténue rasto de agonia, um levíssimo vestígio de desespero.
Vivemos muito depois do apito final como vivemos na esperança da época seguinte, do próximo momento e do golo que se segue, de alguém que venha e nos salve e nos resgate do sítio escuro e doloroso onde nos dobrámos para chorar a derrota, mais uma, sempre.