domingo, abril 27, 2008

Objectos(VI)


Uma vez desencadeadas as coisas têm por hábito seguir os seus caminhos até as ondas nos empurrarem para a frente, se diluirem em ondas inúteis, em esperas.Um corpo permanecerá em repouso ou em movimento rectilíneo uniforme, isto é, com velocidade constante, a menos que alguma força, ou resultante de forças não nula, actue sobre ele. Não há voltar atrás, não há, teria ficado uma eternidade não fosse o que foi, não fossem as coisas serem assim, não há nada contra a inércia como empurrarem-nos para fora, nada contra a inércia como baterem-nos com firmeza para fora dos lugares que ocupamos. Não há nada a resgatar, nada a salvar, vivo para a frente, toda a vida é um balanço, toda a vida estamos à espera do golpe e agora somos em vertigem, em fuga para outro lugar, não há voltar atrás. Se um corpo for actuado por uma força, ou pela resultante de um sistema de forças, ele fica sujeito a uma aceleração. Não se cruzam os caminhos, fujo para a frente e tu para outro lado qualquer, acreditavas mesmo que nada se alteraria, acreditavas mesmo? Fujo para a frente pela força que me empurra, afastamo-nos com a força da luz, com a velocidade do não temos outra escolha. Obedecemos à nossa natureza: fugimos em direcções opostas e nunca mais seremos como éramos: aqui.

terça-feira, abril 15, 2008

Objectos(V)


Aqui é como se os objectos guardassem memórias e dormisse com as presenças-fantasma dos dias idos. Mas é uma coisa como as outras quaisquer, um lugar transitório que não me define não me prende. A vida é toda feita dos momentos em que partimos.

sábado, abril 12, 2008

Objectos(IV)



Não és culpado de nada. Passas, aliás, pela vida armado disso, dessa tua inimputabilidade, dessa tua ausência de culpa. Como se andasses num mar branco de inocência e a vida não te tocasse, como se não vivesses aqui. Desculpa se não consigo fazer isso, se tenho de ser assim como sou e ver as matizes todas às coisas, perdoa-me não consigo, achei que sim, mas não consigo a inimputabilidade branca de que te arrogas. A vida seguirá como seguir, mas não há nós para atar as minhas emoções nesse nó branco, nesse nó cego que sempre pediste de mim.

sexta-feira, abril 11, 2008

Objectos (III)

São as coisas que nos mantêm vivos que nos enchem de perplexidade. Ou de dor.Ou de espanto. São as coisas de todos os dias que são quase insuportáveis. A dor, como uma coisa viva, é como eu a caminhar e a ser, irreprimivelmente ser, há escadas para subir e espaços e contas, o toque e a textura das coisas nas palmas das minhas mãos. As coisas vivas que nos vivem e que nos ferem

quinta-feira, abril 10, 2008

Objectos (II)




Comemos, bebemos e, na verdade, estamos mortos, tão mortos que as memórias da vida é como se nos viessem através de ecos marítimos pela àgua espessa das rotinas. Andamos,falamos e estamos mortos, com a memória da vida perdida nos dias longuíssimos da infância, onde o sol brilhava perenemente e as caras sujas nos roubavam,pouco a pouco, a inocência primordial.

Com os dias que temos, traçamos as linhas das impossibilidades, não há caminhos para fora.

domingo, abril 06, 2008

Objectos(I)


Que preço pagas pela tua consciência aplacada? Nada caro, nada mais caro que um ou outro almoço ou a gasolina do carro, nada mais caro que um objecto inútil ou um gesto inesperado. Não julgues que me escapa a violenta ironia de sermos os dois valorizados por baixo, como artigos inferiores. Afinal não dás mais pelo amor que um tempo furtivo, nada mais pela lealdade que uma volta por sítios discretos onde não te conheçam nem o feio segredozinho que me permiti ser. Valho tanto como um silêncio de dois segundos ao telefone, valho tanto como um mail de cortesia. Valho tanto como o teu toque em fuga, rejeitada. Tão pouco como o nojo, ou o desgosto ou a culpa do amor que não pode ser retribuído. Não preciso de coisas. Nunca mais, para ninguém, estarei em saldos.