quarta-feira, julho 25, 2007



Ninguem será salvo. A casa continua a crescer e a expandir-se como um tumor, uma coisa má nas suas salas vazias e nas suas paredes altas, a pulsar como uma coisa viva nos corredores intermináveis de portas barradas. Ninguém foi salvo. A menina pequena corre pelas salas que não reconhece, corre pelas salas da casa monstruosa e devia conhecê-las. Está perdida. As palavras viciosas infestam as paredes, corroem os móveis e tudo se esfarela. Se as prendem por uma asa negra ou por pela cauda longa e maleável, agitam-se assustadas e suicidam-se, ferrando-se a si mesmas como os escorpiões cercados pelo fogo. É preciso deitar abaixo a casa que se expande, é preciso um tudo novo. A menina pequenina cresce pelos cantos, como a casa, sem nunca chorar nas salas desertas, pisa as palavras pelas asas escuras. Algo de grave acontecerá, ou a casa ruirá com estrépito, com as palavras a chiar esmagadas pelo peso de tudo que cai e ninguém será salvo.

sexta-feira, julho 20, 2007

Chungking express


Levo comigo os óculos de sol, nunca se sabe quando faz sol, ou quando preciso de chorar, ou quando preciso de me diluir na paisagem como se cá não estivesse. Levo comigo o impermeável. Nunca se sabe quando preciso de um conforto, quando fará frio e nenhuns braços me aquecem. Levo comigo os meus sapatos altos, porque as mulheres precisam sempre daquele travo de fragilidade, das plataformas que as elevam da normalidade. Poucas vezes haverá quem nos descalce com cuidado no nosso sono, poucas vezes haverá quem vigie enquanto dormimos para que descansemos, para que fiquemos em paz. Os cigarros e a peruca loira, impossivelmente loira completam o meu disfarce. Sou uma diva de film noir, fatal, não sabias? Tem cuidado contigo, tem cuidado contigo, nós as mulheres fatais somos assim, nunca se sabe quando te calo a boca com um beijo, nunca se sabe quando te calo a boca com um tiro num sítio escuro e me afasto nas sombras e no fumo do meu cigarro, nunca se sabe quando vou contigo para casa e te deixo velar enquanto durmo. Nós as divas somos assim. As camadas por baixo de tudo isto, todas as fragilidades, todos os erros não me importam. Defino-me assim, um tigre de papel, uma máscara. Nada mais existe para além disto.

sexta-feira, julho 06, 2007

Tântalo


Tento chegar ao fruto desejado, áquele pomo dourado de todas as promessas de felicidade perfeita e completa e lá não chego, nunca chego. Toda a vida defenida assim, a preto e sombra de todos os sítios onde não chego e tudo o que não tenho, a amargura de todos os quases que nunca são nada senão isto que parecem: sombras.