quinta-feira, junho 01, 2006




Faço a autópsia do nosso amor com todo o cuidado, descubro todos os comos e os porquês, todas as marcas. Ou ficamos juntos ou morremos, disseste, morreu o amor de pequenas facadas e grandes, de mentiras. Não há nada que possa alterar a verdade simples que as pessoas se ferem umas às outras, às vezes sem querer. Nada sairá da sua ordem natural por um coração desfeito e um amor em cadáver, cheio de de dedadas e de marcas de ser agarrado demasiado depressa ou demasiado com força. Prendemo-nos uns aos outros e não largamos, teimosamente agarrados a fios de nadas.
Sei bem de que morreu o nosso amor, não é nada de original ou diferente, como este morreram milhares, foi definhando: ou ficamos juntos ou morremos, disseste. Faço-lhe a autópsia cuidadosamente : desta vez não deixarei morrer, desta vez não prenderei, nunca deixarei de novo que os meus medos façam noite, decido. Mas não há nada que mude a morte deste amor, nada que o redima.
Devia dar-lhe um enterro decente. Os homens são descuidados, deixam para trás os corpos quentes da batalha, uma sujidade de sangue e vísceras e urros de dor, de lágrimas. Cabe aos que ficam coser os retalhos, pô-lo apresentável para os outros verem para que se recordem de como era, como se parecia quando o amor ainda era vivo e havia dias de sol.
Um dia terá a sua sepultura rasa com uma flor simples, uma visita anual com a lágrima da praxe, de viuva furtiva, secretamente aliviada. Mas não ainda.
Tenho as mãos cheias da dor e da mágoa, dos orgãos que foram vivos, não tenho como não ver todos os sinais e linhas, todas as fragilidades tão dolorosamente claras agora. Não tenho como o deixar ir apesar de ser casca, nada mais que casca perecível e vazia.

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