terça-feira, maio 16, 2006




Os dois caminhavam pela cidade ao fim da tarde de verão, lado a lado mas sem se tocarem. Estava demasiado calor para a mão na mão pegajosa que era sempre, ou para o abraço desajeitado dele, ligeiramente mais baixo que ela. Ouvia-se o rumor do trânsito tardio, passada que estava a pior parte do engarrafamento do dia, ouvia-se o rumor breve das sandálias dela, abertas e frescas, no passeio quente pelo sol forte do dia.
Tudo exsudava o calor que tinha recebido durante o dia e o calor reflectia-se em todas as superfícies, através das solas dos sapatos, do pavimento de cimento, através do metal dos semáforos e dos caixotes de lixo e dos bancos de jardim. Àquela hora já muita gente estava em casa, abrigada pelo enganador ar condicionado, ou então suportavam o calor o melhor que podiam nas casas que tinham sido banhadas todo dia pelo sol. Eles andavam por uma parte nova da cidade velha, cheia de montras coloridas de lojas que fechavam as suas portas e edifícios de escritórios de vidro fosco ou espelhado, que também reflectiam o calor que receberam todo dia. Andavam e praticamente não se via ninguém.
Os adolescentes eram os únicos que se viam a deambular por ali também, devorando gelados ou tocando-se subitamente, cheios de febre. Os restaurantes de fast food daquela zona da cidade estavam cheios de turistas e de jovens pais com filhos pequenos, exalando pelas suas portas vidradas o ruído de muitas conversas e muitas brincadeiras na zona dos pequenos, o cheiro demasiado oleoso dos fritos dos hambúrgueres e das pizzas que vendiam.
Da zona dos escritórios um ou outro retardatário saía apressado em direcção ao metro, tentando correr, tanto quanto possível, no calor intenso que ainda se fazia sentir. Tinha sido um verão excepcionalmente quente, e aquele dia um dos mais quentes do verão canicular que se sofria por toda a cidade.
Andavam, eles dois, num passo vagaroso, como quem vê montras e discute compras, mas não falavam realmente um com o outro. Ela segurava a mala pequenina na mão, a mala branca de usar com a roupa branca que trazia, um branco muito vivo e intenso naquele calor. Ele levava as mãos nos bolsos das calças leves. Caminhavam a uma pequena distância, mas sem se tocarem, cada um seguro no espaço vital da sua bolha de humanidade.
Tinham saído depois de um jantar mais cedo que o habitual, com uma troca de meia dúzia de frases na cozinha silenciosa e banhada pelo sol das sete. Tinham trabalhado em conjunto, fazendo o jantar no máximo da economia de palavras e de gestos. Tinham jantado no silêncio do costume, rapidamente, na pequena mesa da cozinha. Depois tinham acordado sair um pouco, andar um pouco os dois e aproveitar a luz do dia longo do verão, refrescar.
Na luz da tarde que morria diziam pouco, ou quase nada um ao outro. Ela olhava para as montras e as pessoas, ele olhava para os carros, as adolescentes em vestidos frescos de verão, as crianças pequenas pela mão dos pais. Limitava-se a observar o dia que morria em luz dourada e rosa, o céu todos os dias dava espectáculo ao anoitecer, era essa a coisa da natureza, era sempre perfeita e grátis e estava ali para ser apreciada à vontade, mesmo na meia dúzia de ervas que cresciam entre o asfalto rachado, mesmo nas árvores plantadas nos passeios e raquíticas do fumo dos carros, até essas tinham a sua piada.
Mais tarde iriam para casa para a sua casa silenciosa, mais tarde se deitariam na cama silenciosa e fresca, rolando de um lado para o outro sem conseguir dormir, sem suportar tocar-se e suportar o suor que lhes molhava a pele.
- Precisamos de um ar condicionado lá para casa - disse ele.
- Tem graça – disse ela, estava a pensar exactamente na mesma coisa…

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