sexta-feira, junho 09, 2006

Afonso


Cravarei nas pedras um sulco de presença, da cama para a janela a avistar o horizonte, arrastando umas poucas de partículas de pó de cada vez: nem a pedra é eterna.
Esperarei por um vislumbre de ti, ou outra qualquer coisa que me salve e que me leve destes limites apertados. Dura é a sorte das mesmas paredes e da mesma cama solitária e dos mesmos objectos de todos os dias a envelhecer connosco: não se pode viver sem esperança.
Gasto os meus dias de cá para lá medindo e pesando as palavras, procurando nelas um vestígio, um traço de que as coisas são diferentes e que não podem ser como são mas nada de novo encontro a não ser os meus voluntários enganos. Querias dizer exactamente aquilo que pareceu, fizeste apenas aquilo que o coração e o corpo te pediam. Não percebes que não é a tua culpa que quero? Que se não te posso ter, nem do jeito desajeitado e formal que tinhas comigo, te não quero a pena?
Ah, mas ultimamente já nem com ela conto. Não vieste e não virás, demasiado longe na tua nova vida para saberes dos meus passos e da minha vida e da linha do horizonte que é sempre a mesma, inalcalçável como tu.
Avanço da cama para a janela e daí para a capela. Talvez o Deus me ouça e me dê esquecimento ou a paz breve de me perder nas pedras da capela, onde um dia descerei e me escreverão o nome na pedra.

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