terça-feira, junho 13, 2006

Afonso (II)



Percorro, com o olhar, a minha cela. Da cama para a janela e de lá para as pedras do chão, gastas das minhas pisadas. Tempo, é tempo demais para continuar a amar-te, a esperar que venhas, não virás. Daqui só vejo a passagem das estações, o sol e a chuva e o vento e a neve, a verdura da serra à minha frente e o teu esquecimento.
Murmuro o teu nome como uma litania, um suspiro doloroso, um espasmo involuntário do inconsciente onde deixaste a tua impressão. Poderia ter sido melhor ou diferente ou simplesmente mais presente, mas nada teria mudado, muito menos esse teu olhar de esfinge, ligeiramente surpresa de me ver por ali como um vaso fora de lugar deixado por uma aia desleixada. Sei agora que não virás, nem sequer a tua sombra furtiva me deixarás avistar, como quando te via ao longe e sonhava em apertar-te forte. Mas todos sabem que as sombras não se apanham, não sabem?
Da cama para a janela e daí para a porta que fechaste atrás de ti. Sei agora que não virás. Murmuro o teu nome como um suspiro doloroso, uma pontada dolorosa, uma litania. Murmuro-o inconsciente, como a impressão que deixaste em mim, forte e invisível. Sei agora que não voltarás.

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