sexta-feira, junho 30, 2006

Afonso (IV)


Não quero a tua presença. São estas as linhas definitivas do meu exílio. Não te quero aqui, para onde vim sem ti e onde não entras. Expulso o teu fantasma da minha cela simples, da minha cama breve, da minha janela, do meu caminhar de lá para cá e depois para lá outra vez nos sulcos de pedra.Tempos houve em que o meu amor era uma coisa viva e te chamava em ânsia, e te esperava ainda. Eram os tempos em que o meu desejo por ti se debatia contra as paredes de pedra como um pássaro preso, ferindo-se na escuridão da pedra que me encerra. Com o tempo já todas estas coisas me são familiares, o escuro e o som das coisas e a noite a as criaturas pequenas e curiosas que espreitam por entre as frestas do meu muro. Adaptei os meus olhos à escuridão como um animal nocturno, o coração à ausência definitiva de ti.O teu fantasma não é benvindo, já não, há muito que não. Diluiu-se a tua face e o teu gesto no tempo e na dor de não te ver, desapareceste entre todos os meus anseios e as vezes que te chamava. Sei que se viesses agora, todas as minhas mágoas voariam para ti, morcegos cegos assustados pela luz, arranhando e ferindo, desorientadas com a súbita presença.Tempos houve em que me debatia contra as paredes, deixando a loucura guiar-me contra as paredes e a porta, esfolar os dedos de tanto suplicar contra pedra, de tanto esperar, mas não agora. Esconjuro a tua presença. Deixo-me ficar na penumbra das coisas esquecidas, na quietude do meu sulco de pedra, da cama para a janela e daí outra vez. Sou feliz agora. A solidão voluntária é o último recurso dos exilados.

1 comentário:

Anónimo disse...

É por vezes fundamental estar só, para encontrar no silêncio as palavras que nos faltam, para encontrar na solidão a pessoa que somos.