quarta-feira, outubro 11, 2006

Laura


Deste-me a eternidade em todas aquelas que me seguiram: para todas tenho a dimensão dos bichos papões e das coisas sombrias, o ídolo de pedra a derrubar, lembrança de tempos que ficam melhor esquecidos, enterrados debaixo dos lençóis quentinhos, a dimensão do pânico nocturno de sombras ameaçadoras.Chegam até a mim pelos tus caminhos, saltam o muro onde puseste o letreiro a letras gordas: proibido, sabias que o fariam. Viveria sem ti nos meus dias, perfeitamente, não fosse essa tua mudez teimosa de coisa definitiva que as traz até mim, tentando encontrar menos, ou mais, tentando encontrar as tuas razões secretas para as recusas.Desaponto-as, eu sei, nada de santas ou martírios aqui, apenas o arrastar de um longo não, de um compridíssimo nunca mais que se estende como o teu muro de indisponibilidade, não há nada em mim que lhes possa justificar a minha dimensão de totem, de símbolo ameaçador das coisas que não podem ser. Estou barricada pelas presenças que me prescutam, que me catalogam, obrigada a construir-me em recusas e partidas, mesmo depois de ter partido, de ter perdido. O facto de não estares comigo é só um pormenor ínfimo, um pequeno acidente de percurso. Saberão elas que, também para mim havia sombras e muros e o letreiro a letras gordas a proibir mais do que prometia? Saberão a minha dimensão polida e redonda de conta de rosário, com mais atrás e mais à minha frente, a minha secreta, mas verdadeira humilhação de não ser especial, definitiva?Deste-me a dimensão de sombra vampírica a todas as que me seguiram, nunca perceberei porquê. E estou tão cansada, tão cansada de muros em recusa, de viver em adeus para conseguir um pouco de paz. Não haverá paz para mim de capítulo fechado, nunca o permitirás. E em nome de quê? Dos teus próprios fantasmas, se calhar. Estou tão farta de te servir de escudo, de te servir de arma, de te servir de desculpa, não quero a eternidade que me dás. Também o nosso amor foi finito e imperfeito, cheio de silêncios e desculpas, também para mim havia terrores nocturnos e bichos papões, também eu me agarrei ao sono que não chegava, rodeada de sombras por todos os lados. Também, nos tempos que te amava, havia para mim outras presenças.A única coisa que desejaria era a paz do ponto final, a paz da vida que se segue sem ti. Nunca me quis eterna. E no entanto, aqui estou. Vivo em ti nas mentes das que estão contigo, umas após outras. Quando perceberás que chega, que não vale mais a pena? Liberta-me para te poderes libertar.

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