segunda-feira, agosto 21, 2006

After Long Silence


Speech after long silence;it is right,
All other lovers being estranged or dead,
Unfriendly lamplight hid under its shade,
The curtains drawn upon unfriendly night,
That we descant and yet again descant
Upon the supreme theme of Art and Song:
Bodily decrepitude is wisdom; young
We loved each other and we were ignorant.

W.B. Yeats


Recomeço a falar, talvez para quebrar o silêncio incómodo entre nós que vive e respira como uma coisa que ambos tivessemos gerado, um ser monstruoso feito de anseios e negações que gerámos um no outro. Este é o nosso filho e o único que teremos, esta coisa feia e imperfeita feita de silêncios.
Recomeço a falar. Corri muito tempo as cortinas para que não me visses por dentro, sou um vagabundo que te espreita, disseste, e eras, a seguir os trilhos dos meus passos até muito depois de deixares de me amar, sou um vagabundo, dizias, e pensavas no Charlie Chaplin adorável com uma criança de grandes olhos abertos ao teu lado e afinal sai-te o silêncio e os binóculos do Hitchcock, estás longe a ver um quarto que não é teu até te correrem as cortinas e te fecharem as portas e te deixarem furioso, nunca suportaste que te deixassem histórias a meio.
Recomeço a falar. Voltarás um dia, disseste, voltarás sempre porque sou eu para ti e tu para mim a flutuar no mar das possibilidades e eu a dizer-te que não, que não voltava que nunca olhava para trás e apanhava os caquinhos e vivia, que não te faria luto se morresses. Recomeço a falar para tirar o azedume do meu silêncio para ti. Nem uma só palavra se perdeu, nem uma só deixei caída para que as pudesses apanhar, calculo que o mendigar as minhas migalhas seja já a força do hábito, calculo que mendigar as minhas palavras seja já uma coisa que fazes sem pensar porque sabemos os dois que não me queres, tiradas as vendas do amor e das boas intenções, sê franco.
Ah falemos. Sobre arte e as músicas que eram todas minhas, dizias, falemos sobre todas as coisas em que antigamente estava, curioso como me despejaste num instante do sol e do universo, curioso como me puseste a andar num instante desses lugares altos em que costumava estar e para onde me olhavas de baixo. Não, desculpa, deixa-me esclarecer, não me despejaste, empurraste-me gentilmente até às escadas, vês como é melhor para ti descer, vês como não estás aqui bem? Com a gentileza de uma anfitriã cansada das visitas, mortinho por esticares os pés e suspirares de alívio. Olha se eu bato outra vez à porta, se regresso por algum motivo? Deus nos livre. Sim, falemos, meu querido. De arte e de música porque podemos ser amigos à certa, nem ninguém é mais meu amigo que tu, desde que não tenhas de fazer nada, aturar-me ou estar comigo. Porque não te passo antes as minhas palavras espirituosas e te deixo ficar com elas, já que tomas melhor conta delas que eu, que não sei gerir a riqueza delas nem nasci para esses requintes? Nem sei o que ponho nos textos, dizes e é o que lá ponho sem saber que é tão bonito, não conseguirias fazer tão bonito eu é que os passo pelo coador e sacudo as banalidades, eu é que sei garimpá-los por entre todo o lixo das tuas ideias.
Ah, falemos os dois, mandemos embora o corcunda da torre que gerámos, o silêncio feio e verde e disforme, tão mais velhos que estamos, tão mais sábios. Acho que o poema tem razão, quando antigamente te amava era mesmo estúpida.

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