sábado, março 28, 2009

Intermission

Às vezes não sou melhor que isto, que esta saudade insuportável, esta nostalgia à flor da pele, dolorosamente lenta e doce, até à náusea, até às lágrimas não desejadas, nunca desejadas. Neste intervalo, neste breve intervalo em que me fazes falta, volto de novo àquela tarde de sol e vento e estou de novo onde estava, com o meu coração não solicitado de novo nas mãos estendidas, tão estupidamente vulnerável, tão pouco inteligente, ou sábio ou resistente, frágil. Alguém devia, para minha paz de espírito, banir de vez o grito das gaivotas em tardes de sol, bani-las para que nunca pudesse estar como estou agora, num intervalo entre a vida e as possibilidades não cumpridas. Mais uma vez.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Objectos (XIII)


Queria ser a brisa na cara da liberdade do primeiro dia de férias de verão e nunca passei dos beijos a evitar da tia chata. Os anos de desperdício e de tragédia que se podem concentrar numa só metáfora...

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Epipsychidion




Be this our home in life, and when years heap
Their wither'd hours, like leaves, on our decay,
Let us become the overhanging day

Percy Bysshe Shelley

Dentro de nós vivem todos os bocados não digeridos do passado, pequenas ilhas isoladas de onde ninguém sai, ninguém é salvo. Como bonecas russas até ao infinito, o que fomos antes fecha-se dentro do que somos agora, inalterável, irredutível, bonecas eternamente grávidas de desesperanças e desencontros. Somos como somos: dentro de nós habita a escuridão e, pontualmente, perdido num qualquer recanto intocável, um ou outro raio de dia de verão, de inocência, de fragilidade, que mais nos gela porque único- e inimitável.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Objectos(XII)




Não há mérito especial em sobreviver, o corpo sabe mais dessas coisas que nós, respira, segue, anda, reproduz-se e morre em milhares de células. Daqui a uns tempos nada de mim será aquilo que era então, todas as células de pele que tocaste foram-se dissolvendo em pó , partículas no ar que me rodeia e inspiro, sorvendo aquilo que fui e expulsando-o de novo num gás inerte, num circulo interminável. Mesmo as memórias se vão apagando em gestos esquecidos de partilha, toques mortos em voo, como pássaros a voarem contra janelas, contra todos os muros de impossibilidades. Sobrevivo. Há algum conforto em saber tudo o que me rodeia, na sua imensa vastidão de gestos partilhados e amores felizes, em ser vizinha e testemunha fugaz de coisas grandes e verdadeiras, mas é um conforto impessoal, uma espécie de dor surda e permanente de falhanços e más escolhas do negrume da depressão. Sobrevive-se através de gestos quotidianos de quase felicidade, numa linha ténue entre resignação e contentamento, não há mais para além disto e, mesmo se houvesse, quem nos levaria para longe daquilo em que nos tornámos? É tarde e fazemos da vida aquilo que podemos, não aquilo que queremos, nunca aquilo que queremos. Serve ainda a boca para beijos e o corpo para tudo o resto, servem ainda as mãos para dar, servem as palavras para articular pontes, mas é como se tivesse perdido o conhecimento do uso dos objectos e fossem desconhecidos hostis, como se tivesse perdido o uso da fala e dos sentidos e os visse, fechados, longe, sem aceder a eles senão em memórias fugazes e esperanças fúteis, tão fúteis daquilo que poderia ter sido e nunca foi senão em desapontamento.

terça-feira, janeiro 13, 2009



Pelo menos a infelicidade não é já activa e imperativa. Pelo menos os gestos quotidianos saem já com a graça líquida de todos os costumes automáticos. Nos dias cinzentos o frio entra pela pele desprotegida e branca que não se expõe e num lugar qualquer do mundo há outras coisas quaisquer. Pelo menos somos vizinhos da felicidade e por entre as paredes ouvimos-lhe os murmúrios, ou melhor, os rumores: ao fim da noite há sempre olhos rodeados de linhas como se estalássemos a caminho de uma quebra qualquer. Noutros lugares do mundo, tenho certeza, haverá recomeços e risos, a serenidade líquida da leiteira de Vermeer, por todos os inúteis séculos de esperas, tristezas e desapontamentos haverá sempre o amarelo -limão da luz capturado para sempre como numa teia brilhante de mentiras. Mas pelo menos não é já a infelicidade imperativa: empilhamos os segundos, como caixas, até enchermos o minuto até ao seu limite, recomeçamos outra vez. Sísifo mostra-nos, arrastamo-nos até ao limite e o abismo e depois recomeçamos outra vez até ao fim da hora.

domingo, janeiro 11, 2009

Objectos(XI)





Não sei se veja todas as voltas retorcidas dos nós que dei, por vontade, em mim mesma como uma tragédia ou como um acto de beleza em todo o esplendor da sua dolorosa complexidade.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Objectos X


Caímos nas velhas falhas por hábito, caímos nos vícios do costume apenas como um gesto familiar, como uma rotina impensada, já. É já conforto, mais que qualquer outra coisa este caír nos velhos erros, aquilo que em nós chama o negrume aprecia-lhe a ironia, caímos nos velhos erros do costume de olhos abertos e não fechados.
Que falha é esta, falha fatal que sempre nos está arastando para os mesmos buracos, que estranha força? Só o hábito, nada mais que ele. Para o futuro quero novos caminhos.