sexta-feira, abril 17, 2009




A criança que fui corre ainda pelos bosques negros, tropeçando ainda em todas as pedras, cheia ainda dos terrores inocentes de bichas-de-sete-cabeças e de fados, dos sétimos filhos de sétimos filhos fadados a correr o mundo, transmutados em bichos comuns, porcos, cabras, lobos. Nesse imaginário podemos ainda, contra o mal, usar os talismãs inocentes segredados no recreio, cruzar tesouras à entrada, espalhar sal marinho à nossa volta e batermos na madeira, agarrar com as duas mãos os ramos do domingo de páscoa, a boca em cruz e sangue partilhado dos juramentos, as mãos dadas contra a trovoada e Santa Bárbara em esplendor de cabelhos molhados para fazer chover. É tudo tão simples ainda, para ela, que ainda não caíu na toca do coelho, que ainda conhece todas as certezas de cor e salteado, que ainda pode responder pelo bem e pelo mal e tudo se pode guardar tão simples, como seixos coloridos, penas, flores secas e dentes-de-leão a que se sopravam as delicadas hastes e se viam voar na luz esplendorosa de verões intermináveis.

2 comentários:

Patricia Almeida Alves disse...

Simplesmente lindo... adoro ler o que escreves!
bjs
Patricia

Passionária disse...

Obrigada amiga. Miss ya :)