sábado, março 28, 2009

Intermission

Às vezes não sou melhor que isto, que esta saudade insuportável, esta nostalgia à flor da pele, dolorosamente lenta e doce, até à náusea, até às lágrimas não desejadas, nunca desejadas. Neste intervalo, neste breve intervalo em que me fazes falta, volto de novo àquela tarde de sol e vento e estou de novo onde estava, com o meu coração não solicitado de novo nas mãos estendidas, tão estupidamente vulnerável, tão pouco inteligente, ou sábio ou resistente, frágil. Alguém devia, para minha paz de espírito, banir de vez o grito das gaivotas em tardes de sol, bani-las para que nunca pudesse estar como estou agora, num intervalo entre a vida e as possibilidades não cumpridas. Mais uma vez.

5 comentários:

cazarim de beauvoir disse...

minha história com gaivotas é, de certo modo, uma estória de um intervalo, que posso resumir: pela primeira, e última, vez na vida uma gaivota me apareceu, e me apareceu a poucos metros em pleno vôo, praticamente parada diante de mim.

já a minha história com os intervalos nem sempre é assim extática. é que, diante deles, o que nos sobra não é mais a vida nem o que não se cumpre, cumpriu ou cumprirá: diante do intervalo, não sobra nada, nem mesmo o intervalo, além de nós. como disse o sr. heidegger, o mundo perde a significância (ou melhor, é levado para a insignificância). que o coração dilacerado ou frágil possa-se, recompondo-se do que não possui(u), criativo. sabedoria é criar o sol e as sombras, e é também saber ser criado sob o sol e as sombras. é ser feito e fazer. talvez isto seja o que me levou à necessidade dos duendes. não que os fantasmas morram: talvez eles deixem de ser fantasmagóricos quando a melancolia é arrastada para fora do ser, mesmo que isso não dure sempre ou retorne. mas os duendes, isso sim é preciso criar. o riso, menos que matar os fantasmas, cria os duendes. os fantasmas é que não suportam, muitas vezes, aquilo que ri, e por si mesmos se retiram.

não esquecer, sobretudo, a paciência e a desejo de explodir de si em si mesmo.

Passionária disse...

É difícil explicar a origem dos meus textos e o que os envolve. Nem costumo fazê-lo, aliás, pois tais explicações ou são entediantes, se pegar na técnica, na construção de um texto e sopesar palavras, sensações para o produto acabado, ou demasiado íntimas para expôr publicamente. Aprendi a resguardar essa parte de mim de quem me lê. No entanto, deixo-lhe duas ou três ideias para ponderar: a primeira, que personna literária, ou narador e autor podem ou não coincidir, e se coincidem nem sempre o fazem total e completamente; a segunda, que esta não é a minha única casa, pelo que será lógico acreditar que cada uma delas expressa um aspecto de mim, ou da minha necessidade de escrita; a terceira é que não sou uma personalidade trágica, de todo, e, no geral, mantenho os meus fantasmas bem guardados.
Quanto às gaivotas, quando estou em casa vejo-as todos os dias. São uma boa memória. Obrigada pelo comentário tão sensível...

cazarim de beauvoir disse...

compreendo o que dizes, pois penso o mesmo. há tempos que me debato com a questão do confessionalismo em literatura e sempre chego ao memso ponto: quando alguém confessa, deve fazê-lo como se não fosse aquele que confessa. porque, na verdade, não é o autor que confessa: faz a personagem confessar o que é dela, e muito menos o que é dele ou dela, autor ou autora. conheço tuas outras casas, mas é cá que me sinto como se na minha. não porque trágico, mas porque me dás a possibilidade, algumas vezes, de não ser o que sou na maior parte do tempo. não ser é tão vasto que me apaixona e atrai como um buraco negro. ou quase, porque dele escapo, não ilesao, é verdade, mas ao menos salvo. (sobre o sentido de salvação que uso: http://musicadecamaras.blogspot.com/2009/03/salvacao.html)

Patricia Almeida Alves disse...

Compreendo esse sentimento teu... acompanhei de perto algumas destas tardes de sol e vento... escutei alguns desses gritos... das tuas "gaivotas"... e mesmo agora consigo escutá-las... Por mais que faças, o coração é independente demais para te fazr as vontades todas. Umas vezes escuta o teu lamento, e abranda de intensidade, fingindo obedecer-te... até vir uma nova tarde e novas gaivotas...
Há gaivotas em terra novamente? Sinal de tempestade no mar? Nesse teu mar já meu conhecido? Que se passa amiga? Em águas te deixas navegar? As mesmas de sempre? Mudamos de rota... ou regressaste ao velho porto de abrigo?
Miss you too my friend...
kisses
P*

Passionária disse...

Querida P., raramente, senão nunca, escrevo textos que correspondem exactamente àquilo que estou sentir na altura. Este, por exemplo, é um eco de memória, daquelas que não é suposto esquecermos, porque foram lições de vida.
Actualmente não há gaivotas, há trabalho, normalidade e mais nada. Nem sei quando voltará, se é que voltará a haver gaivotas, um bocado por culpa desse coração independente que faz o que quer e não o que deve. Mas vai andando sob controlo e já não é mau.
Beijinhos
i.