terça-feira, janeiro 13, 2009



Pelo menos a infelicidade não é já activa e imperativa. Pelo menos os gestos quotidianos saem já com a graça líquida de todos os costumes automáticos. Nos dias cinzentos o frio entra pela pele desprotegida e branca que não se expõe e num lugar qualquer do mundo há outras coisas quaisquer. Pelo menos somos vizinhos da felicidade e por entre as paredes ouvimos-lhe os murmúrios, ou melhor, os rumores: ao fim da noite há sempre olhos rodeados de linhas como se estalássemos a caminho de uma quebra qualquer. Noutros lugares do mundo, tenho certeza, haverá recomeços e risos, a serenidade líquida da leiteira de Vermeer, por todos os inúteis séculos de esperas, tristezas e desapontamentos haverá sempre o amarelo -limão da luz capturado para sempre como numa teia brilhante de mentiras. Mas pelo menos não é já a infelicidade imperativa: empilhamos os segundos, como caixas, até enchermos o minuto até ao seu limite, recomeçamos outra vez. Sísifo mostra-nos, arrastamo-nos até ao limite e o abismo e depois recomeçamos outra vez até ao fim da hora.

4 comentários:

ulrich disse...

é tudo uma questão de ritmo: fazer com que os gestos de distribuam fluidos mesmo que por dentro haja ainda restos de mágoa e tormento.

Passionária disse...

restos?

cazarim de beauvoir disse...

eu perguntaria 'se distribuam fluidos mesmo que'?

Passionária disse...

Desculpe, Cazarim, depois de ler a parte de distribuir fluidos perdi a linha do raciocínio, lol... Falava de gestos, acho, ou de amarguras ou de tempo ou de outra idiotice igualmente elevada. O seu comentário fez-me rir do meu próprio pretenciosismo trágico, e isso é bom.