sexta-feira, julho 20, 2007

Chungking express


Levo comigo os óculos de sol, nunca se sabe quando faz sol, ou quando preciso de chorar, ou quando preciso de me diluir na paisagem como se cá não estivesse. Levo comigo o impermeável. Nunca se sabe quando preciso de um conforto, quando fará frio e nenhuns braços me aquecem. Levo comigo os meus sapatos altos, porque as mulheres precisam sempre daquele travo de fragilidade, das plataformas que as elevam da normalidade. Poucas vezes haverá quem nos descalce com cuidado no nosso sono, poucas vezes haverá quem vigie enquanto dormimos para que descansemos, para que fiquemos em paz. Os cigarros e a peruca loira, impossivelmente loira completam o meu disfarce. Sou uma diva de film noir, fatal, não sabias? Tem cuidado contigo, tem cuidado contigo, nós as mulheres fatais somos assim, nunca se sabe quando te calo a boca com um beijo, nunca se sabe quando te calo a boca com um tiro num sítio escuro e me afasto nas sombras e no fumo do meu cigarro, nunca se sabe quando vou contigo para casa e te deixo velar enquanto durmo. Nós as divas somos assim. As camadas por baixo de tudo isto, todas as fragilidades, todos os erros não me importam. Defino-me assim, um tigre de papel, uma máscara. Nada mais existe para além disto.

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