sexta-feira, agosto 25, 2006

Ruínas


Consola-te com o transitório das coisas, e o tempo e o espaço. No futuro nada fará sentido e tudo será esquecido, até tu. Secaram-se as fontes e a água perdeu-se nos meandros da memória, apagaram-se as inscrições, o interior virou-se do avesso. Os cenários interiores são pó e nada mais que pó, consola-te com a passagem das coisas e a imensidão do espaço, consola-te com as camadas de tempo inimaginável que vieram antes e virão depois. Nada do que és agora ou algum dia serás tem importância. Não se apagaram as pedras, não se calaram as missas perpétuas e os dízimos e os dias de festa e os vestidos de veludo negro nas cadeiras de destaque, não se calaram os coros e as rezas?
Consola-te com o tempo e o esquecimento e o fim, porque todos os princípios o terão, todos os recomeços. Não terá importância o teu gesto que se afasta, não terá, não será nada nas tuas mãos velhas enlaçadas sobre o peito, em cruz. Será pouco mais que uma memória fugidia o teu gesto em ânsia e em desolação, será apenas um clarão fugaz que se apaga na mente e mal se lembra na velhice. Não se apagaram todas as coisas e caíram os impérios e os deuses, onde andava Dario andam agora as botas dos soldados, tudo diluído da pedra, não se reconhecem já as mãos em oferenda, não se reconhecem já as mãos em oração, tudo se perdeu e se esqueceu, e ainda bem.
Consola-te com as coisas que passam e se perdem no tempo e no espaço e no pó, ruíram as casas de fundações tão fundas, consola-te com o tempo geologicamente inimaginável em que és espectro, sombra de sombra de partícula e tudo se esquecerá, até tu e todos os que te importam, até aqueles que te conheceram e partiram, tudo passará sem vestígios nem memórias. Isto também passará.

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