quinta-feira, abril 01, 2010

Sonata de Inverno

Somos, no entanto, catedrais de silêncio gelado, amplas salas cheias de tudo o que não tem nome e o pode ter, o poderia ter, cheias das possibilidades que só existem quando somos inocentes, muito novos, muito velhos. Pelo meio somos naus e absides laboriosamente talhadas de todas as horas diplomáticas do que nos negamos, colunas ao céu de controlo e ânsia, de todos os desejos de chegar à luz e que se ficam pelas subterrâneas águas geladas das noites de inverno, longuíssimas em solidões e culpas. Construímo-nos por oposição ao negro, não do que somos mas do que poderiamos ser, em possibilidades e falhanços.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Frutos (II)

Que doçura esta, a nossa, que guarda o sol e o calor dentro dela mas apenas se revela na escuridão, que apenas cresce e floresce no escuro secreto para ficar como será depois, inebriante?

quinta-feira, outubro 15, 2009

Frutos


Sabes-me ao doce-doce-amargo das romãs, o carmesim intenso nas faces das manhãs geladas, o vermelho que escorre, inevitável em rios de doçura nas mãos deixando a sua marca. Seremos o fruto e as mãos no Outono que desliza até à morte, seremos na pele e nas mãos o vermelho-vivo de ser tudo, o vermelho-forte das coisas que permanecem, doce-doce- amargas num mundo em que nada permanece nem nada é senão em pequenos lampejos de luz branca-forte, vermelha-viva, como as romãs.

terça-feira, outubro 06, 2009

Samhain


Entre o véu dos vivos e dos mortos, de todas as legiões de fantasmas e monstros, a fina, ténue linha do nosso silêncio. Comungamo-nos as longas noites e a escuridão primitiva de todas as coisas secretas que ninguém sabe, todos os gestos inúteis, todas as esperas, comungamo-nos inteiros, entre vivos e mortos e terrores de noites escuras. Devoramo-nos entre a celebração das coisas, vivas, que começam em novos círculos eternos e tudo o que foi antes de nós e é morto e está escondido, mas presente, apesar de tudo, entre as nossas linhas de silêncio.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Sonata de Outono




Ressoa, ao nosso redor, o silêncio fecundo e escuro das raízes , a escuridão de todas as coisas que vivem e crescem e são muitas, constantemente em mudança. Somos na noite como quem hiberna, somos na noite como quem se firma na terra e se alimenta e cresce entre todas as escuridões fecundas, somos na noite como o que se não vê em círculo de coisas que acabam e coisas que começam sempre, incontroláveis. Seremos os dois assim, raízes envoltas em silêncios, quando o mundo morre e explode à nossa volta em cacofonias de vermelhos e amarelos e laranjas finais, dormimos envoltos em vida. E ressurgiremos na luz, frágeis, ternos,finitos, como todas as coisas que nascem e florescem.

quarta-feira, setembro 30, 2009

Sonata de Verão


Amar-nos-emos como o silêncio marítimo dos dias de sol e dos faróis silenciosos, com todos os limites imperfeitos dos contornos da vida. Haverá sempre um riso contrariado, uma camisola esquecida, uma palmeira chicoteada pelo vento salgado da beira-mar, um gesto doloroso que nos fere sem pensar. Juntos somos um feixe apertado, perto demais para o conforto, às vezes, juntos somos os faróis em silêncio porque não avisamos o resto da humanidade para nos passar ao lado. Causaremos naufrágios um no outro, desgraças épicas de chuva como chicotes, causaremos tempestades selvagens e fúrias. Noutros tempos seremos outras coisas: as manhãs de silêncio e sal com o zumbir de insectos secretos, os dias agridoces de mãos dadas e camisolas esquecidas e pequenas contrariedades. Juntos somos um feixe, deus, um feixe tão apertado. Amar-nos-emos até aos limites mais remotos do silêncio.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Ecos


Entre o que dizemos um ao outro há desfiladeiros de silêncio, habitados de estranhas, frágeis criaturas, com nomes demasiado dolorosos ou demasiado definitivos para se repetirem. Que diremos um ao outro que não as espantem, recolhidas em cantos dolorosos, que lhe diremos senão este quotidiano em que nada é grave ou importante ou definido, que nos diremos senão este espaço onde ainda tapamos os olhos para não as ver, estas estranhas criaturas definitivas que, se as chamarmos nos devorarão inteiros?